Ao aproximar-se o tempo do Natal percebemos que uma onda de ternura começa a perpassar a mente e o coração dos cristãos, especialmente daqueles que procuram levar sua vida espiritual mais a sério. Para os que estão engolfados apenas na realidade transitória da vida, pensando apenas no prazer, no ter e no parecer, talvez não parem para pensar no verdadeiro sentido do Natal e fiquem somente ocupados com a ceia, os presentes, a festa, a bebida, etc. Mas a onda de ternura existe e contagia os corações dos que creem em Deus, pois podem mergulhar, com a fantasia e a meditação, no mistério de um Deus que deixa o céu e vem se fazer uma criança entre nós. A arte em todos os séculos e em suas diversas manifestações tem ilustrado esta realidade nos oferecendo presépios para todos os gostos e idades. A atenção da humanidade passa a se concentrar em uma criança – e que criança – e nela, singela e frágil, vê Aquele que sustenta o universo com seu poder e força.
Santa Teresinha do Menino Jesus foi alguém que mergulhou neste mistério e hauriu dele muito de sua espiritualidade. Seu próprio nome traz a memória do Natal e em sua doutrina da infância espiritual podemos ver muitos frutos da meditação deste mistério da vida de Jesus. Ao falar com sua Madre Priora sobre seu “pequeno caminho” para a santidade Teresinha diz: “Minha Madre, o caminho que desejo trilhar é o caminho da confiança e do total abandono” (HA 12). E ao apresentar este caminho ela nos convida a sermos crianças, ou seja, como as crianças esperam tudo de seus pais e nada podem por si mesmas, assim também devemos esperar tudo do Pai do céu.
“Quanto a mim, diz Teresinha numa carta, acho a perfeição fácil de praticar, porque entendi que é só pegar Jesus pelo Coração... Veja uma criancinha que acaba de aborrecer a sua mãe, zangando-se ou desobedecendo-lhe; se ela se esconder num canto com ar amuado e gritar por medo do castigo, certamente, a mãe não lhe perdoará a falta; mas se lhe estende os seus bracinhos sorrindo e dizendo: ‘dê-me um beijo, não o farei mais’, poderá a mãe não apertá-la ao seu coração com ternura e esquecer as faltas infantis?... Todavia ela bem sabe que seu querido filho recairá na próxima ocasião, mas isso não importa, se ele a prende de novo pelo coração, jamais será castigado...” (Carta 191).
A espiritualidade da infância espiritual está inerente à vida de Santa Teresinha. Quando se pensa na santa, instintivamente se pensa no ser criança diante de Deus. E esta espiritualidade tem como característica básica sua devoção ao Menino Jesus. Esta devoção não foi apenas mais uma devoção na vida da carmelita de Lisieux, mas tem uma importância especial, pois traduz e aprofunda sua “pequena via”, onde a humildade, a pureza e a simplicidade da criança são elementos essenciais.
Brinquedinho do Menino Jesus
Ao entrar no Carmelo Santa Teresinha recebeu a incumbência de ornar com flores uma imagem do Menino Jesus e ficava feliz quando recebia flores para este fim, dizendo que era Ele, o Menino Jesus, quem pagava suas dívidas. Já doente Teresinha oferecia as uvas e o vinho ao Menino Jesus e gostava de acariciar a sua imagem. Não há dúvida que a infância de Jesus acompanhou Teresinha toda a sua vida, ainda que ela sempre a unisse à paixão do Senhor, daí o significado profundo de seu nome “do Menino Jesus e da Sagrada Face”.
Mas para mim uma das maiores provas da maturidade humano-espiritual de Teresinha foi o fato de ter-se oferecido para ser o “brinquedinho do Menino Jesus.” À primeira vista pode parecer uma atitude infantil e sem sentido, porém, se pensamos no que significa isto na prática vemos que ultrapassa em muito o infantilismo e nos lança numa verdadeira prova de fé.
Diz a Santa: “Havia algum tempo oferecera-me ao Menino Jesus para ser seu brinquedinho. Tinha-lhe dito para não me usar como brinquedo caro que as crianças só podem olhar sem ousar tocar, mas como uma bola sem valor que podia jogar no chão, dar pontapés, furar, largar num cantinho ou apertar contra seu coração conforme achasse melhor; numa palavra, queria divertir o Menino Jesus, agradar-lhe, queria entregar-me a suas manhas de criança... Ele aceitou minha oferta... Em Roma, Jesus ‘furou’ seu brinquedinho. Queria ver o que havia dentro e, depois de ver, contente com sua descoberta, deixou cair sua pequena bola e adormeceu... Que fez durante o sono e que foi feito da bola deixada de lado?... Jesus sonhou que continuava brincando com sua bola, deixando-a e retomando-a, e que, depois de deixá-la rolar muito longe, a apertou no seu coração, não permitindo mais que se afastasse de sua mãozinha... Compreendeis, querida Madre, quanto a pequena bola ficou triste ao ver-se largada... Mas eu não deixava de esperar contra toda a esperança.”(MA 64f)
Ser um brinquedo nas mãos do Menino Jesus não seria um belo convite para nos preparar para o Natal? Quantas vezes nos vemos num túnel escuro sem ver onde termina e sem uma fresta de luz, ou ainda vemos nossa vida se tornar um labirinto de problemas aparentemente sem solução, ou mesmo sentimo-nos mergulhados num mar de solidão e desânimo! Pensemos que este brinquedo está sendo “furado” para se ver o que tem dentro, está sendo aparentemente esquecido por um tempo, mas que tudo isto é sinal de que é um brinquedo amado e desejado pelo Menino Jesus. Ele joga com suas bolinhas como quer porque sabe que elas não são frágeis brinquedos de enfeite, mas possuem a força da fé suficiente para resistir e continuar sendo Dele.
Para nós hoje, o amor e devoção ao Menino Jesus não devem se basear apenas nos sentimentos. Os sentimentos são belos, necessários e nos estimulam, mas precisamos transformá-los em ações concretas. Amar o Menino Jesus é procurar em primeiro lugar imitá-lo em seu despojamento, simplicidade, confiança no Pai, em sua bondade e seu amor. Foi só por amor que Ele se encarnou e veio morar entre nós. Amá-lo é também procurar vê Sua imagem em toda pessoa pequena, pobre, sofredora, necessitada de nossa ajuda e nosso amor.
Santa Teresinha não só amava seu Menino Jesus, mas quis ser toda Dele e deixar-se brincar por Ele. Assim desejo que este Natal seja para todos nós: uma entrega total e incondicional nas mãos do Menino Jesus, traduzida em gestos concretos de fraternidade para com o próximo.
Irmã Maria Elizabeth da Trindade, ocd
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